sexta-feira, 28 de maio de 2010

O caso Irã - 2

Como está complicado postar uma mensagem aqui. O tempo cada vez mais curto e os compromissos cada vez maiores. A imprensa continua batendo forte no Lula por causa da intervenção do Brasil e da Turquia no caso do Irã. O "Estadão" de hoje traz na manchete: "Hillary aponta 'sérias divergências'com Brasil no caso do Irã". A linha fina: "Secretária americana diz que posição brasileira 'deixa o mundo mais perigoso'".
Dia destes o jornalista Mino Carta -- um dos melhores do País -- escreveu um artigo a respeito. Como concordo com o que ele escreveu, e o texto dele é muitiíssimo melhor que o meu, compartilho-o com os meus três ou quatro leitores:

Os interesses do Império e os nossos

Mino Carta

Ao ler os jornalões na manhã de segunda 17, dos editoriais aos textos ditos jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”.

Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte.

Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado. Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante.

Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República, um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em equívocos e desatinos.

Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme, ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma, compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a continuidade de Lula por meio de Dilma.

Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o sequestrador?

A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os demais implicados foi desterrado pela ditadura.

Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula, primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do jornalismo chamam os patrões de colegas.

Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das páginas internas.

Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir das urnas.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O caso Irã

O sítio Vi o mundo (www.viomundo.com.br), do Luiz Carlos Azenha, publicou matéria traduzida do jornal britânico The Guardian, sobre o acordo Brasil- Turquia-Irã. Na imprensa local, as análises são pelo negativo da notícia, afirmando que Obama não acredita no acordo etc.

O acordo nuclear Brasil-Irã-Turquia
17/5/2010, Stephen Kinzer, The Guardian, UK
Tradução Caia Fittipaldi
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/may/17/iran-nuclear-brazil-turkey-deal
Os acontecimentos e notícias empolgantes que chegam de Teerã, de acordo afinal firmado, que pode ter evitado crise global em torno do programa nuclear iraniano é desenvolvimento altamente positivo para todos – exceto para os que, em Washington e Telavive, estavam à procura de qualquer pretexto para isolar ou atacar o Irã.
Também marca o nascimento de uma nova força altamente promissora no cenário mundial: a parceria Brasil-Turquia.
Semana passada, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente Luis Inácio Lula da Silva do Brasil adotaram, em conjunto, a abordagem clássica do “um gentil, outro durão”, para aproximarem-se dos líderes iranianos. Lula anunciou que iria a Teerã, o que deu aos iranianos esperança de algum acordo. Mas era indispensável também a presença da Turquia (onde o urânio será tratado), e Erdogan fez-se de difícil.
Na 3ª-feira, Ahmet Davutoglu, o muito experiente ministro das Relações Estrangeiras da Turquia, anunciou que Erdogan não iria ao Irã, a menos que os iranianos manifestassem algum interesse em firmar algum acordo. “Não é hora para encontros trilaterais sem objetivo preciso”, disse. “Queremos resultados. Sem perspectiva de resultados, não iremos ao Irã.”
Na 6ª-feira, Erdogan endureceu ainda mais. Disse que a planejada viagem a Teerã estava cancelada, porque o Irã “não se manifestara sobre a questão”.
Poucas horas depois, a secretária Hillary Clinton telefonou ao Chanceler turco e empenhou-se em desencorajar a iniciativa dos diplomatas brasileiros e turcos. Porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse que a sra. Clinton ‘alertou’ o ministro turco para não confiar nos iranianos, cujo único interesse seria “fazer qualquer coisa para impedir as sanções pelo Conselho de Segurança, sem dar qualquer passo para suspender seu programa nuclear militar.”
Depois do telefonema, um pouco precipitadamente, de fato, a secretária Hillary previu publicamente que o esforço dos presidentes Lula e Erdogan fracassaria.
O que se sabe hoje é que a secretária Clinton pode não estar trabalhando corretamente pela pauta política da Casa Branca. Enquanto ela falava em Washington, funcionários turcos anunciavam aos jornalistas em Ankara, off-the-record, que haviam recebido encorajamento do próprio presidente Obama, para insistir no trabalho de mediação e continuar pressionando em busca de algum acordo. Pode ser, é claro, ‘divisão’ planejada das forças nos EUA, para cobrir todas as posições, o que implica que EUA, sim, anteviram a possibilidade de serem derrotados no front diplomático: Clinton faria a parte mais difícil e preservaria a posição do presidente como ‘mediador’ e interessado mais em acordos que em confrontos. Seja como for, já sugere alguma fragilidade na posição da secretária de Estado, ou seu isolamento, no círculo mais alto dos estrategistas de Obama para as questões mundiais cruciais.
Alguns, em Washington, tentarão ver no acordo apenas um modo para salvar as aparências e livrar o Irã de confronto direto com EUA e União Europeia. Seja como for, outros verão de outro modo. Ali Akbar Salehi, chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, vê perspectiva mais positiva. Semana passada, já havia anunciado que o Irã buscava um acordo, contando com a mediação política do Brasil e da Turquia “para dar aos EUA e outros países ocidentais um modo de escaparem da situação de impasse que criaram, com tantas ameaças.”
Em todos os casos, o que se viu foi que negociadores competentes em negociações bem encaminhadas por dois líderes mundiais, destruíram a versão, difundida por Washington, de que o Irã não faria acordos e teria de ser ‘atacado’, por sanções; antes, claro, de que os EUA considerassem “todas as opções” – inclusive o ataque militar, para impedir o progresso do programa nuclear do país.
Fato é que Turquia e Brasil, embora em pontos opostos do planeta, têm muita coisa em comum. São dois países territorialmente grandes que passaram longos anos sob ditadura, mas conseguiram alterar essa história e andar pacificamente na direção da plena democracia. Os dois países têm hoje, na presidência, políticos dinâmicos e experientes, que comandaram importante processo de recuperação econômica nos seus respectivos países. Os dois países, além do mais, já emergiram como potências regionais, mas aspiram ao nível de potências como Rússia, Índia ou mesmo a China. Nem Turquia nem Brasil podem sobreviver sozinhos entre esses gigantes. Mas, juntos, formam uma parceria que tem inúmeras possibilidades de sucesso.
Brasil e Turquia são os países que mais abriram novas embaixadas pelo mundo, nos dois últimos anos. Uma vez por ano, os principais diplomatas turcos voltam a Ancara para ampla reunião de trabalho. Na reunião de 2010, ocorrida em janeiro, o ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim foi um dos principais conferencistas convidados.
Turquia e Brasil foram, por muitos anos, apoiadores ‘automáticos’ de Washington, mas agora começam a assumir o timão e determinar a própria rota. Preocupados com o que veem como violento unilateralismo norte-americano, que desestabiliza imensas regiões em todo o mundo, os dois países têm evitado todos os confrontos internacionais, ao mesmo tempo em que trabalham incansavelmente para promover acordos que visem à pacificação. Por muito feliz coincidência, os dois países são hoje membros não-permanentes do Conselho de Segurança. A posição deu-lhes os meios para intervir na questão iraniana; que os negociadores e presidentes de Turquia e Irã usaram com talento e competência excepcionais.
Durante a Guerra Fria, o Movimento dos Não-alinhados tentou converter-se numa “terceira força” na política mundial, mas fracassou, porque reunia países grandes demais, separados demais e diferentes demais. Turquia e Brasil emergem agora como a força global capaz e competente para diálogos e acordos que o Movimento dos Não-alinhados jamais antes conseguira ser.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Aos inimigos, a lei!

O velho e bom Maquiavel – o pensador político mais controverso, mas também o mais estudado – ensina em O Príncipe que para manter o poder o governante que conquista um reino tem de fortalecer os fracos, mas na medida em que não representem nenhum perigo, e massacrar seus inimigos. A ética de Maquiavel não é a ética cristã ocidental, mas a ética política, que se encerra em si mesma e depende das circunstâncias. Portanto, a ideia de se massacrar os inimigos para manter-se no poder é perfeitamente aceita. O príncipe, contudo, não deve ser tirânico o tempo todo, e sim ter como objetivo maior promover o bom governo, ou seja, governar para o bem comum.
O ex-inquilino do Palácio dos Bandeirantes e postulante (ainda pré-postulante, como quer a lei) ao cargo político mais alto do País, a presidência da República, certamente leu Maquiavel. Não mede esforços para massacrar aqueles que se colocam em seu caminho.
Não mediu esforços para tentar massacrar o sindicato dos professores – desde 1978, a pedra no sapato de todos os que governaram São Paulo. Contou para tanto com um aliado importante, a imprensa paulista; na verdade, a benevolência das famílias Frias, Mesquita e Marinho.
Numa das assembleias dos professores que aconteceu nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes, quando então o pré-candidato ao Palácio do Alvorada ainda nem era pré, a presidente do sindicato desancou o governador. Disse que teria a espinha dorsal quebrada pelos grevistas. A imprensa, mais do que de pressa, leu o discurso sindical (fazê-lo dobrar-se para que aceitasse negociar com a categoria) com roupagem eleitoreira – prejudicar a candidatura do governador. Ora, como prejudicar a candidatura se à época ela nem existia? Aliás, nem existe ainda perante a lei.
O DEMO-PSDB entrou na Justiça Eleitoral contra o sindicato por “contra-propaganda”. A denúncia foi aceita pela procuradoria-geral da República, que pediu multa de R$ 50 mil contra o sindicato. Na edição de sábado, o “Jornal da Tarde” – do grupo Estadão, que anuncia sofrer censura da Justiça – publicou editorial elogiando a procuradoria e pedindo “multa pesada para enquadrar Apeoesp na lei”. “Atingir finanças do sindicato dos docentes é meio de evitar que sabote a democracia de forma arrogante.” Ora, a democracia pressupõe o conflito de ideias. Só assim ela se consolida. Mas ao que parece, o ex-inquilino do Palácio dos Bandeirantes e seus asseclas (a imprensa paulista à frente) não gostam do confronto de ideia. Colocam-se acima do bem e do mal.
Para o grupo Estado, o sindicato dos professores fez propaganda negativa contra Serra, por isso deve ser punida. Se o raciocínio for nesta linha, também o grupo midiático deveria ser punido, pois esforça-se sobremaneira para fazer propaganda negativa da pré-candidata petista. Aliás, o próprio governo do Estado, que faz propaganda mentirosa na TV. Mostra as novas estações da linha 4 do Metrô, que ainda não estão abertas ao público, como se estivessem em plena atividade. Isto pode!
Aliás, a Lei Eleitoral – que me perdoem os magistrados – é hipócrita. É claro que concordo que tem de se estabelecer regras num pleito tão importante; mas todos sabem que são os candidatos, eles debatem ideias nos jornais e na TV, mas ninguém pode dizer que são candidatos. O TSE deveria preocupar-se em estabelecer regras mais rígidas com relação ao financiamento das campanhas -- porque será que a maior parte dos partidos não quer a reforma política, que previa financiamento público para as campanhas eleitorais? Serra tem feito viagens por todo o País a bordo de um jatinho de um banqueiro. Participou neste final de semana de um ato com evangélicos em Santa Catarina. O evento recebeu R$ 540 mil dos cofres do governo do Estado e da prefeitura de Camboriú. Cada um constrói sua própria ética...