terça-feira, 31 de maio de 2011

Nossa língua


Para não dizerem por aí que abandonei o barco – afinal, estou sumido desde o 25 de abril – volto à página e a um assunto que já considerava superado: a polêmica sobre o livro de Língua Portuguesa adotado pelo MEC, “Por uma vida melhor”. Agora, a Defensoria Pública da União no Distrito Federal (DPU-DF) entrou com uma ação na Justiça Federal para que sejam recolhidos das escolas públicas os 485 mil exemplares do livro "Por uma vida melhor". Segundo matéria do “Estadão” on-line, a “obra defende que o uso da língua coloquial - ainda que com seus erros gramaticais - é válido na tentativa de estabelecer comunicação”.
Ainda de acordo com a matéria do “Estadão”, o defensor público federal Ricardo Salviano “esclarece”que questões de sociolinguística não devem ser discutidas dentro da sala de aula. "Escola é lugar onde se deve ensinar a norma culta. Se você diz que falar errado é aceitável, está prestando um desserviço à sociedade", critica o tal defensor. Se fosse assim, ninguém se comunicaria em sua própria língua, mas apenas os doutos, os escritores. Que disparate!
É inacreditável como se faz jornalismo hoje em dia. Se pinça uma frase para se criar polêmica. Acho que ninguém leu o tal livro. Para ilustrar, publico um trecho do capítulo “Escrever é diferente de falar”, que provocou a polêmica (página 11):
“Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações sociais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposição, a fim de empregá-la quando for necessário.
Há ainda mais um detalhe que vale a pena lembrar. A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta.
Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal. Assim, os aspectos que vamos estudar sobre a norma culta podem ser postos em prática tanto oralmente como por escrito.”

Se nos dermos ao trabalho de ler os Parâmetros Curriculares Nacionais da área de Língua Portuguesa descobriremos que os objetivos gerais do ensino da matéria é:
“Ao longo dos oito anos do ensino fundamental, espera-se que os alunos adquiram progressivamente uma competência em relação à linguagem que lhes possibilite resolver problemas
da vida cotidiana, ter acesso aos bens culturais e alcançar a participação plena no mundo letrado.
Para que essa expectativa se concretize, o ensino de Língua Portuguesa deverá organizar-se de
modo que os alunos sejam capazes de:
• expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto orais como escritos — coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados;
• utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação comunicativa de que participam;
• conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado.”

A questão do “certo” e “errado” no ensino da língua já foi superado há muito tempo. Afinal, o aprendizado de uma língua não leva em conta apenas as normas gramaticais, mas também as diferenças dialetais.
O livro não defende o uso do “coloquial” – e do “erro” – como insistem os meios de comunicação, mas mostra ao aluno as diferenças dialetais, a existência de uma norma culta e outra informal e, portanto, as variedades linguísticas do Português. É isto que se espera do ensino da Língua Portuguesa de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, aprovados em 1997, durante a gestão de Paulo Renato no MEC.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Primavera portuguesa


No dia 25 de abril de 1974 – há exatos 37 anos – o povo português tomava as ruas para fazer a Revolução dos Cravos. O movimento civil-militar pôs fim à longa escuridão imposta pelo ditador Antonio Oliveira Salazar com a instauração do Estado Novo (1933-1974). Para homenagear o povo português, reproduzo abaixo a letra original da música Tanto Mar, de Chico Buarque, editada apenas no além-mar em 1975. No Brasil, a música ganhou outra letra e só foi gravada em 1978.

Tanto Mar
(Chico Buarque)

Sei que estás em festa, pá
fico contente
e enquanto estou ausente
guarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, pá
com a tua gente
e colher pessoalmente
um flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
tanto mar, tanto mar
sei também quanto é preciso, pá
navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
cá estou doente
manda urgentemente
algum cheirinho de alecrim

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Apocalypse now

O tempo da pós-modernidade nos colocou num moinho de carne; somos sugados até os ossos. Pouco tempo nos resta para o lazer, para a cultura, enfim. Há 13 dias que não posto mensagem aqui, e retorno agora todo apocalíptico e para avisar a todos: temos pouco tempo antes do "fim do mundo". Fez bem meu amigo Luiz Pires, que se mandou com a família para a Itália. Foi a tempo, isto porque um grupo religioso norte-americano, que tem tentáculos em Belo Horizonte (MG), vem anunciado o fim dos tempos para o dia 21 de maio, ou seja, daqui a 45 dias! Leia abaixo matéria publicada no sítio do "Estadão" de terça-feira, 5:

Grupo anuncia ''fim do mundo''
Bruno Boghossian / RIO - O Estado de S.Paulo

Um novo alerta apocalíptico chegou ao País com um aviso: o fim pode estar mais próximo do que se imagina. Um grupo cristão dos Estados Unidos, com representantes em Belo Horizonte, está rodando o Brasil para divulgar a tese de que o juízo final está marcado para 21 de maio - e não para 2012, segundo a popular profecia feita pelos maias.
Com propagandas até nas traseiras de ônibus, evangélicos da Family Radio fazem malabarismo com números e datas da Bíblia para garantir que há provas de que o mundo vai acabar nos próximos meses. No Rio, um grupo vestido de branco circulou pelas ruas do centro com placas que alertavam para o fim do mundo. Há semanas, ônibus regulares circulam com os enigmáticos dizeres "21/05/2011: Deus vai trazer o dia do julgamento".
A previsão bíblica foi interpretada pelo americano Harold Camping, responsável pela Family Radio, que tenta emplacar um apocalipse pela segunda vez em sua carreira de profeta. Nos anos 1990, ele publicou um livro em que dizia haver "alta probabilidade" de Cristo voltar à Terra em 6 de setembro de 1994 para julgar os homens. Um grupo se reuniu em uma cidade da Califórnia para esperar o evento.
A sede brasileira da Family Radio fica no bairro de Nova Gameleira, em Belo Horizonte, tendo como atividade principal a divulgação da tese do fim do mundo. Um site em português explica passo a passo a matemática feita por Camping: o juízo final começaria 7 mil anos depois do grande dilúvio, que teria acontecido em 4990 a.C.
Criticado por cristãos americanos, o grupo já foi chamado de seita e Camping acusado de ser "falso profeta". A sede brasileira da Family Radio não respondeu aos e-mails enviados pelo Estado na manhã de ontem.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Henfil


Acho que estou ficando velho, com saudades do passado. No sábado o “Estadão” trouxe uma matéria falando que estão “redescobrindo” Elis Regina! Redescobrindo?, me indignei. Depois de pensar um pouco, concordei: Elis Regina faleceu em janeiro de 1982, ou seja, há 29 anos! Para minha geração Elis está mais viva do que nunca, afinal, sempre canta lá em casa. Estão previstos lançamento de livros, exposição, vídeo e biografia. Outro que mereceria uma “redescoberta” é Henfil, com a reedição de sua obra. Tá certo que o humor, especialmente o político, pode ser datado, mas as novas gerações têm o direito de conhecer suas obras, de se deliciar com seus personagens, como os fradinhos Cumprido e Baixim. Em homenagem a este grande brasileiro, publico uma “tirinha” (acima) e uma de suas “Cartas à Mãe”:

São Paulo, 26 de dezembro de 1979.

Mãe,

Aqui estou eu, em mais um Natal, fazendo desta carta meu sapato colocado na janela.
Eu fui bom este ano, mãe. Eu acho que fui muito bom. Eu fui solidário com todos os meus irmãos Betinhos. Fiz greve com todos os Lulas. Quebrei Belo Horizonte como todos os peões. Voltei pro país que me expulsou como todos os Juliões. Dei murro em ponta de faca como todos os Marighellas. Cantei as prostitutas, as mulheres de Atenas e joguei pedra na Geni como todos os Chicos Buarques. Aspirei cola como todos os pixotes. Fui negro, homossexual, fui mulher. Fui Herzog, Santo Dias e Lyda Monteiro.
Fui então muito bom este ano, mãe.
Aqui está minha carta sapato.
Vou fechar os olhos, vou dormir depressa.
Esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela. Me façam chorar de alegria, que eu quero viver!
A bênção,

Henfil

quinta-feira, 10 de março de 2011

Kalango: água de beber


Um dos temas abordados pela revista eletrônica Kalango, que chega ao nº 5, é a questão estratégica para a nossa sobrevivência: a água. Para aguçar a vontade de meus muitos amigos e leitores deste humilde blogue, publico o texto de abertura da revista, do editor Osni Dias:

Prezado leitor,
A Kalango traz, nesta edição, reflexões oportunas dos nossos colaboradores sobre uma questão estratégica para nossa sobrevivência nos próximos anos: a água. O desequilíbrio ecológico tem causado sérios danos à natureza e ao meio ambiente e é nossa responsabilidade discutir o assunto. Como cada um de nós encontra um caminho para mudar o Planeta, mostramos como um discípulo do Grão Mestre Yong Min Kim ajuda mais de duzentas crianças por meio do esporte. Destacamos a luta do povo Guarani Kaiowá que, infelizmente, não obteve da Justiça o resultado esperado no julgamento dos assassinos do cacique Marcos Verón, que embora condenados por tortura e formação de quadrilha, foram inocentados da acusação de homicídio.
Trazemos também uma viagem onde Ana Junqueira descobre enfim o que é ser Basco, uma identidade própria e forte, que parece existir além do pertencimento oficial ao território espanhol.
Luis Pires escreve sobre “Biutiful” e a questão da imigração ilegal.
Hemerson Brandão nos fala de Vênus e Ana Melo dá a dica de passeio em São Paulo. Weberson Santiago, Marcelino Lima, Thiago Cervan, Claudinei Nakasone, Claudio e Amne Faria nos trazem arte e poesia e nossos colunistas, Paulo Netho, Haissem Abaki e Delta9 as crônicas bem humoradas do nosso cotidiano.
Agradecemos pela quantidade generosa de acessos. Pedimos que continuem compartilhando nossas ideias e divulgando nosso trabalho. Críticas, sugestões e pautas podem ser encaminhadas para revistakalango@gmail.com
Osni Dias
Para acessar a revista, clique no link http://revistakalango.wordpress.com/ e boa leitura

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A marvada pinga


Você pagaria R$ 310,00 numa garrafa de cachaça? É o quanto custa uma Havana 12 anos, safra especial!
Há uns 20 anos, a cachaça (pinga, paraty, cana, caninha) não era uma bebida apreciada pelos mais abastados (ao menos em público). A cachaça era desprestigiada e alguns bares mais chiques sequer a comercializavam. A desculpa era para manter “o nível”. A pinga era destinada aos “pé de chinelo”, aos “pés de cana”. Hoje tem até cachaçólogo. Coisas do mundo globalizado.
Mouzar Benedito, escritor e contador de história, tem uma crônica impedível sobre o assunto. Reproduzo um trecho do texto:
“A cachaça era desprestigiada, considerada bebida de pobre. E com o preconceito existente, também bebida de negro. Pegava mal tomar cachaça, a não ser sob a forma de caipirinha. Até em cidades do Nordeste encontrei bares que tinham preconceito contra ela. Muitos deles não vendiam pinga pura.
Cito como exemplo a primeira vez que fui à Paraíba, em janeiro de 1978, com um bando de estudantes amigos.
Depois de uns dias no interior, fomos para João Pessoa. Nessa época, a cidade era bem menor e praticamente não havia prédios de apartamentos na orla.
Fomos a um bar em Tambaú, com amigos paraibanos, algumas pessoas pediram cerveja, outras pediram caipirinha e eu pedi cachaça e cerveja.
O garçom disse que não “trabalhavam” com cachaça.
— Uai… Pediram caipirinha e você disse que tem — protestei.
— Caipirinha é diferente — respondeu ele, na maior cara de pau.
Olhei sério pra ele e pedi:
— Então me traga uma caipirinha sem gelo, sem açúcar e sem limão.
Ele trouxe!”

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ando meio desligado!


Ando meio Macunaíma neste janeiro chuvoso (ai que preguiça!) – chuvas que têm provocado tragédias anunciadas, aliás!
Escrevo este post em respeito aos meus sete ou oito leitores, pois minha ausência aqui deve estender-se até o final de janeiro, pois estou cobrindo férias de companheiros e coisa está complicada. Abraços a todos!

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Kalango para ver e ler


Osni Dias é um daqueles amigos que cultivamos desde a infância. Estudamos juntos o antigo primeiro grau (hoje ensino fundamental). Depois de alguns anos, trabalhamos juntos no jornal “Primeira Hora”, de Osasco. Excelente diagramador, Osni trabalhou na “Folha de S. Paulo” e em outras publicações. Depois, resolveu seguir a carreira acadêmica. Lecionou jornalismo no Mato Grosso do Sul – Dourados e Campo Grande – e agora está dando aulas em Atibaia.
No ano passado Osni lançou a Kalango, uma revista digital que chega ao 4º número – edição na qual tive o imenso prazer em colaborar com um pequeno artigo (leia abaixo). Você pode acessar a edição completa no link http://revistakalango.wordpress.com/ . Boa leitura

Política X religião: “a César o que
é de César, a Deus o que é de Deus”

Por Luís Brandino
O grande pensador florentino Niccolò Machiavelli nos ensinou em Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio (“Discorsi”)1 que as calúnias são perniciosas às repúblicas. “(...) A calúnia deve ser detestada nas cidades que vivem sob o império da liberdade (…) É preciso atentar para o fato de que a calúnia dispensa testemunhos e provas: qualquer um pode ser caluniado por qualquer um”.
Na recente eleição presidencial, a democracia e o republicanismo foram afrontados. A calúnia, a difamação e a mentira deram o tom da campanha política, em detrimento de uma discussão mais clara sobre os planos de construção de um futuro para o País. Pelas redes sociais, assistimos a uma disseminação, quase sem precedentes, de barbaridades – o que é pior, muito do que foi dito sem provas e testemunhas encontrou eco na chamada grande imprensa. Chegamos ao cúmulo de transformarmos a eleição num plebiscito sobre a liberalização ou não do aborto – e mais uma vez com os meios de comunicação servindo de correia de transmissão.
A campanha do tucano José Serra apostou no terrorismo da boataria, explorando – com competência, é preciso dizer – a ignorância e os medos de uma boa parcela do eleitorado. Collor de Mello utilizou-se deste mesmo expediente contra o Lula, nas eleições de 1989. Os “colloridos” à época diziam que Lula iria “implantar o comunismo", tomar a casa das pessoas, as galinhas, os patos, os porcos, os carros. Deu no que deu. Se voltarmos 46 anos no relógio do tempo, nos depararemos com movimento reacionário que gerou consequências muito maiores. Em 1964, um padre irlandês – Patrick Peyton – liderou e fundou uma entidade chamada “Movimento da Cruzada do Rosário pela Família”. Este movimento foi o embrião da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que precipitou a derrubada do presidente João Goulart pelo golpe militar.
Ao apostar no voto e na influência dos setores mais conservadores da Igreja Católica Romana e entre as denominações evangélicas, o candidato Serra foi longe demais. Num cartão entregue a professores “convocados” pela Secretaria da Educação para um evento com o candidato tucano, durante a campanha para o segundo turno, Serra escreveu no verso: “Jesus é a verdade e a justiça”.
Desde a Proclamação da República o Estado é laico – mas non troppo, em alguns momentos. A Constituição de 1988 estabeleceu um Estado em que as liberdades de crença e culto, contudo o Estado laico ainda é uma meta a ser perseguida pelo Direito brasileiro, como lembrou Túlio Viana, em artigo para a revista Fórum (edição 92, p. 21). É preciso que nós, eleitores, aprendamos a máxima: a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. A política é mundana, não está, portanto, nas esferas da fé. Urge separamos as duas coisas.
A grande arma contra a calúnia é a educação e a informação isenta e de boa qualidade. Tenho dito!

1- Machiavelli, Niccolò. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília: Editora UnB, 4ª edição, 2000