sexta-feira, 19 de junho de 2009

O Carnaval da galinha



Foi há muito tempo. Recordação que nos levou às gargalhadas. Depois de mexer o gelo no copo, Luizão levantou-se. Abriu a gaveta de um velho guarda-comidas, revirando papéis amarelados, fotos, cartões postais, parafusos enferrujados, restos de fios. Alguns odores costumam atiçar minhas lembranças, principalmente as da infância, como o perfume da dama da noite, que tomava toda a frente da casa de minha avó, no interior. O cheiro de café que ela “passava” no coador de pano, também. O cheiro da gaveta (esconderijo de pequenas coisas que teimamos em colecionar por puro esquecimento de jogarmos fora ou porque nos apegamos a objetos que nos remetem a algum lugar no passado) era indescritível, uma mistura ocre de ferrugem e de papéis velhos.
– Achei, sabia que estava aqui – comemorou Luizão. Era uma foto da viagem que fizemos a Cunha, junto com o Du, há mais de 20 anos, durante o feriado de Carnaval. Estava desbotada. Todos nós muito jovens, abraçados. Como um troféu, Luizão exibia uma galinha degolada, que nós apelidamos de Maria Antonieta. Quem fez a foto foi o filho de um sitiante vizinho à chácara onde nos hospedamos, aliás, o mesmo que nos vendeu a galinha em pé, ou seja, viva.
O problema era matar o bichinho. Du se afeiçoou à ave e se recusou a fazer parte do genocídio. Arguto, disse que nem barata matava, quanto mais uma galinha. Luizão argumentou que, como ele que a cozinharia, alguém tinha que matá-la. Por exclusão, a tarefa coube a mim.
Cheio de razão, inchei o peito e, como um soldado que avança em território inimigo na linha de frente, segurei firme a “penosa” pelos pés e, num tranco, tentei destroncar-lhe o pescoço. Conhecia a técnica apenas de teoria, ainda não a tinha praticado. Quando criança, nas vésperas de Natal, especialmente, acompanhava minha avó até o galinheiro, quando ela escolhia as aves mais gordas e iniciava a matança.
Como a teoria nem sempre funciona na prática, deu tudo errado. A penosa estrebuchou. Mas bastou soltá-lo no chão, ciscou e saiu em desesperada correria. Foi um deus nos acuda!
Nós três começamos a caça à galinha, que lutava pela vida. Atravessou a cerca, e nós três atrás, pulando os arames farpados. Tomou o rumo da estrada. Quando Du se aproximou da penosa, ela fez um zigue-zague (deve ter baixado o Garrincha na coitada), num drible seco voltou para o quintal. Soldados corajosos e persistentes, pulamos a cerca de volta. A penosa embrenhou-se debaixo da casa, construída sobre mourões. Ficamos cada um de um lado da casa tentando espantar o bichinho, que batia as pequenas asas em desespero. Finalmente ela saiu. O Du deu um salto sobre a coitada, agarrando-a pelos pés. Vitória!
– E agora Luizão, o que faço com ela?, perguntou Du.
Líder da tropa, o resoluto comandante Luizão entrou na casa e saiu de lá armado com um enorme facão, dando as ordens. “Segura o pescoço dela. Foi condenada à guilhotina”. E assim se fez. Fiquei com o pescoço da galinha nas mãos; Du, com o corpo. Foi a melhor galinhada que já comi na vida.
Tenho dito,
Luís Brandino
OBS: o quadro que ilustra este post é de João Werner.

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