quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Erasmo no Céu, Inferno
A calmaria na porta do céu foi quebrada na segunda-feira. O cramunhão em pessoa foi falar com São Pedro. Estava interessado pessoalmente num hospede que chegaria a pouco, coronel linha dura do Exército Brasileiro, que adorava espancar especialmente estudantes durante a ditadura militar.
– Desculpe-me chegar assim, sem aviso. Quero, antes que o santo tome qualquer providência, convidar um hóspede que está a chegar por aqui para viver comigo lá no Inferno. É que preparei-lhe uma grande recepção e, além do mais, mandei reservar-lhe um aposento digno de um príncipe.
São Pedro coçou a cabeça, depois as longas barbas. Pensativo, com o dedão do pé desenhou um círculo nas nuvens. Depois de alguns segundos – que pareceram uma eternidade – acabou concordando:
– Se é assim, permito-lhe que faça-lhe o convite primeiro...
O diabo recebeu Erasmo, o tal coronel, de braços abertos, com um entusiasmo dedicado a poucos – excitação maior o cafuçu só teve com outro brasileiro, o delegado Sérgio Paranhos Fleury.
De braços dados, desceram ao Inferno. No meio da festa que o belzebu havia preparado, o coronel Erasmo lembrou-se de ter esquecido as malas na porta do Céu.
– Sem Nome, desculpe-me incomodá-lo, é que terei de voltar até São Pedro, esqueci minha bagagem lá.
– Que bobagem, meu filho, dois dos meus serviçais pegarão a bagagem. Não se preocupe.
Os dois diabinhos tomaram o rumo do Céu. Quando chegaram ao Grande Portal das Trevas – a porta do Inferno – descobriram que haviam esquecido as chaves. Para não perder a viagem resolveram pular o portão. Neste momento, dois anjinhos conversavam despretensiosamente numa nuvem na fronteira entre o Céu e o Inferno. Vendo os diabinhos escalando o portão, um deles comentou:
– Olha lá, irmãozinho, faz dez minutos que o coronel Erasmo chegou ao Inferno e a repressão baixou braba. Tem até diabo fugindo para o exílio.
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